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Família e trabalho: apoios à conciliação

Este texto integra o dossiê COVID-19, produzido pela DataLABOR, no qual se promove uma análise integrada acerca do impacto desta pandemia no mercado de trabalho e da legislação mais relevante aprovada neste contexto nas áreas do trabalho e da proteção social. Neste caso, analisa-se a legislação fundamental que entrou em vigor durante a pandemia relativa à compatibilização entre trabalho e família.


1. Assistência à família (filho ou neto) na situação de isolamento profilático


Âmbito: Acompanhamento de isolamento profilático durante 14 dias de filho ou outro dependente (de criança menor de 12 anos ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica) a cargo dos trabalhadores por conta de outrem do regime geral de Segurança Social, motivado por situações de grave risco para a saúde pública decretado pelas autoridades competentes.


Direitos: Não prestação de trabalho e a atribuição do subsídio para assistência a filho e do subsídio para assistência a neto, não dependente de prazo de garantia.


O valor do subsídio para assistência a filho correspondente a 100% da remuneração de referência líquida, tendo como limite mínimo 65% da remuneração ilíquida (valor em vigor desde 01 de abril de 2020).


O valor do subsídio para assistência a neto corresponde a 65% da remuneração de referência.


Legislação relevante: art. 21.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março



2. Apoio excecional à família para trabalhadores por conta de outrem


Âmbito: Fora dos períodos de interrupções letivas,1 consideram-se justificadas, sem perda de direitos (salvo quanto à retribuição), as faltas ao trabalho motivadas por assistência inadiável a filho ou outro dependente a cargo menor de 12 anos, ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, decorrentes de suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais em estabelecimento escolar ou equipamento social de apoio à primeira infância ou deficiência, quando determinado por autoridade de saúde ou pelo Governo, devendo o trabalhador comunicar a ausência nos termos do artigo 253.º do Código do Trabalho.


Direitos: Não prestação de trabalho e direito a receber um apoio excecional mensal correspondente a 2/3 da sua remuneração base (pago em partes iguais pela entidade empregadora e pela segurança social), que tem como limite mínimo uma remuneração mínima mensal garantida (RMMG) e como limite máximo de três RMMG.


Este apoio é deferido de forma automática após requerimento da entidade empregadora e não pode ser recebido simultaneamente por ambos os progenitores.


Legislação relevante: art. 22.º Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março



3. Teletrabalho e assistência à família: uma medida aquém da proteção à parentalidade


O n.º 1 do art. 22.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, estabeleceu que “fora dos períodos de interrupções letivas fixados nos anexos II e IV ao Despacho n.º 5754-A/2019, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 115, 18 de junho, ou definidos por cada escola ao abrigo da possibilidade inscrita no n.º 5 do artigo 4.º da Portaria n.º 181/2019, de 11 de junho,  consideram-se justificadas, sem perda de direitos salvo quanto à retribuição, as faltas ao trabalho motivadas por assistência inadiável a filho ou outro dependente a cargo menor de 12 anos, ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, decorrentes de suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais em estabelecimento escolar ou equipamento social de apoio à primeira infância ou deficiência”.


Para este efeito, o n.º 1 do art. 23.º do mesmo diploma, estipulou que “o trabalhador por conta de outrem tem direito a receber um apoio excecional mensal, ou proporcional, correspondente a 2/3 da sua remuneração base, pago em partes iguais pela entidade empregadora e pela Segurança Social” (tendo por limite mínimo uma remuneração mínima mensal garantida (RMMG) e por limite máximo três RMMG, nos termos do n.º 2).


Contudo, o n.º 3 do art. 23º daquele Decreto-Lei estabeleceu que este apoio apenas seria passível de ser atribuído desde que não existam outras formas de prestação da atividade, nomeadamente por teletrabalho, sendo que o n.º 6 proíbe expressamente que ambos os progenitores aufiram simultaneamente este benefício (o que, de resto, ao contrário da situação prevista no n.º 3, é lógico e coerente).


Ora, a interpretação generalizada relativa ao n.º 3 do art. 23.º foi a de que se um dos progenitores estiver em teletrabalho, o outro não poderia usufruir do regime excecional de assistência à família e vice-versa.2


Percebendo-se a racionalidade económica deste mecanismo, no sentido de permitir ao Estado uma economia de despesa, para desse modo a poder alocar a outras necessidades igualmente prementes, a medida carece de razoabilidade no que toca à conciliação entre o trabalho profissional e o de cuidado das crianças, assumindo como possível a prestação simultânea de um e de outro no domicílio. Não levou, pois, em consideração que o trabalho de cuidado das crianças implica uma dedicação tanto mais exclusiva quanto menor a idade das crianças e maior o seu número no agregado, impossibilitando a boa prestação de trabalho profissional aos pais/cuidadores. Não levou, também, em consideração que o trabalhador continua a ser avaliado na sua prestação de trabalho e que esta situação poderá ter uma influência negativa no que respeita a progressões, prémios e até mesmo à manutenção do posto de trabalho. Não levou em consideração o desgaste físico e psíquico que pode colocar em causa a própria saúde e bem-estar do trabalhador.


A verdade é que os trabalhadores têm direito à proteção legislativa na realização da sua insubstituível ação em relação ao exercício da parentalidade (art. 33.º do CT). Do mesmo modo, não se pode esquecer que Constituição da República Portuguesa consagra, na alínea b) do n.º 1 do art. 59.º, o direito à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar como um direito fundamental dos trabalhadores.


Há que efetivar esses direitos. Nessa dimensão, a medida em apreço, dificilmente poderia ter sido mais incongruente.


Por outro lado, é útil referir que o conjunto de direitos e garantias no âmbito da parentalidade, previstos no Código do Trabalho, em nada foram alterados. Assim sendo, o direito a prestar trabalho a tempo parcial ou em horário flexível para trabalhadores com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica, mantém-se. Como também se mantém a proibição de prestar trabalho em horário concentrado, regime de adaptabilidade ou banco de horas, bem como a dispensa de trabalho suplementar ou noturno, além do regime de proteção em caso de despedimento.


Legislação relevante: art. 22.º, 23.º e 29.º(artigo revogado) do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março e arts. 33.º a 65.º do Código do Trabalho




1 Fixados nos anexos II e IV ao Despacho n.º 5754-A/2019, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 115, 18 de junho ou definidos por cada escola ao abrigo do n.º 5 do art. 4.º da Portaria n.º181/2019, de 11 de junho.

2 Ainda que, entendamos, contudo, que tal não parece resultar claro da norma. Quando o preceito refere que o apoio apenas pode ser atribuído se não existirem outras formas de prestação da atividade (nomeadamente teletrabalho) refere-se ao destinatário da norma no momento da previsão da norma (e esse destinatário é quem requer num preciso momento o regime excecional de assistência à família – a norma não tem na sua previsão a eventualidade de, posteriormente, outro membro do agregado familiar poder desempenhar funções em regime de teletrabalho).